NUMA ESTAÇÃO DE MADRUGADA

Recorda-os,
antes que o alcóol os leve
ou a memória os maquilhe e confunda,
antes que sejam sonhos esquecidos,
as marcas de uma pele noutra pele apagadas.

Recorda-os,
além da bruma e da noite,
sob as luzes de néon fantasmagóricas,
diante das vias de metal silencioso,
sem comboios, sem despedidas nem destino.

Recorda-os,
porque não te esperavam,
e nada te pediam, nem tu a eles também,
porque tudo era inútil, absurdo e desoportuno,
derrotada ternura e sombra da tua vida.

Recorda-os,
e beija outra vez aqueles lábios,
a sua alagada respiração, a língua surpreendida,
a sua frágil matéria húmida,
aqueles lábios que a tua boca imagina.

Recorda-os

Juan Luis Panero, in Poemas, Relógio d'Água, 2003 (tradução de Joaquim Manuel Magalhães)

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