Lisboa, 2012
Creador solitario hipernervioso
armado de entusiasmo y lagrimas
maravilloso mago del abismo
me hundo en musica insondable

Anhelos y designios lengua fiel
a la expression de notas infinitas
vomitando pájaros desconocidos
lleno de sangre la noche

Carlos Edmundo de Ory, in Miserable Ternura- Cabaña, Ediciones Hipérion, 1981

                             
                                                                                 



















                                                                                                                                           André Kertesz
PARA UNICA

No hay polvareda en mi vida
Piso descalzo la nevisca
La noche es ampo y mi pecho
palafito de la paz pura

Adueñado de lo infinito
en este lago feliz
me quemo cantanto y me callo
para respirar en tus cabellos

Pensandote ser ultradorado
criatura de precioso rostro
te nombro con voz de besos
te lamo automusical

Carlos Edmundo de Ory, in Miserable Ternura-Cabaña, Ediciones Hipérion, 1981


P. ¿Puede la literatura servir para ajustar cuentas?
R. Con la vida. La literatura es un ajuste de cuentas con la vida, porque la vida no suele ser como la esperábamos. Uno busca un sentido a todo esto y a la vez un vago placer estético. ¿Por qué tomarnos tanto trabajo si la literatura no puede cambiar el mundo, no influye en la mejora de nada, ni siquiera cuando denuncia los peores crímenes de la humanidad? No lo sé, pero su origen y su fin está en dar testimonio, tanto de las pesadillas como de los sueños felices de todos nosotros.
Juan Marsé, ao El País


Vou-me Embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.


Manuel Bandeira, in Libertinagem-Estrela da Manhã, Scipione Cultural, 1998
DEVOCIÓN

Debajo de un árból, frente a la casa, veíase una mesa y sentados a ella, la muerte y la niña tomaban el té. Una muñeca estava sentada entre ellas, indecibelmente hermosa, y la muerte y la niña  miraban al crepúsculo, a la vez que hablaban por encima de ella.
-Toma un pouco de vino-dijo la muerte.
La niña dirigió una mirada a sua alrededor, sin ver, sobre la mesa, otra cosa que té.
-No veyo que haja vino-dijo la muerte.
-Es que no hay - contestó la muerte.
-Y porque me dijo husted que había?-dijo
-Nunca dije que hubiera sino que tomes-dijo la muerte.
-Pues entonces ha cometido huested una incorrección al ofrecérmelo- respondió la niña muy enojada.
-Soy huerfana. Nadie se ocupó de darme una educación esmerada - se desculpó la muerte.
La muñeca abrió los ojos.


Alejandra Pizarnik, in Prosa Completa, Lumen, 2009
25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner
DESCONFIANZA

Mamá nos hablaba de un blanco bosque de Rusia: «... y haciamos hombrezitos  y les poniamos sombreros que robábamos al bisavuelo...»
Yo la miraba con desconfianza. Qué era la nieve? Para qué hacian hombrezitos? y ante todo, que significa bisavuelo?

1965

Alejandra Pizarnik, , in Prosa Completa, Lumen, 2009

CANÇÕES DE CAMPONESES DO JAPÃO

AMOR MUDO

Ardendo de amor, as cigarras
cantam: mais belos porém são
os pirilampos, cujo mudo amor
lhes queima o corpo!

Versão de Herberto Helder, "O Bebedor Nocturno", in Poesia Toda, Assírio & Alvim, 1981
(...)
2.

Uma arma é
a intimidade mais antiga que habita uma casa:
na penumbra das salas, qualquer objecto inicia uma guerra.
Porque as palavras resvalam por um corpo de ossos
mas a mão incerta da criança
descobre a solidez de uma pedra,
de um reflexo da toalha ao lado do pão
ou na unha um prego cravado na pele
:
Uma criança mede o futuro:
com a imprecisão dos pequenos golpes
aprende a minúcia assassina de um movimento.


Rui Nunes, "A Frase da Absolvição", in Ladrador (AA.VV), Averno, 2012
























André Kértezs, "Arm with fan", 1937
Dois estudos

1.
Tu és a antecipação
do último filme que assistirei.
Fazes calar os astros,
os rádios e as multidões na praça pública.
Eu te assisto, imóvel e indiferente.
A cada momento, tu te voltas
e lanças no meu encalço
máquinas monstruosas que envenenam reservatórios
sobre os quais ganhaste um domínio de morte.
Trazes encerradas entre os dedos
reservas formidáveis de dinamite
e de fatos diversos.

2.
Tu não representas as 24 horas de um dia,
os fatos diversos,
o livro e o jornal
que leio neste momento.
Tu os completas e os transcendes.
Tu és completamente revolucionária e criminosa,
porque sob teu manto
e sob os pássaros de teu chapéu
desconheço a minha rua,
o meu amigo e o meu cavalo de sela.

João Cabral de Melo Neto, Poemas para Ler na Escola, Objectiva, 2009 (selecção de Regina Zilberman)
LANÇAR OS DADOS


se é para tentar, vai até ao
fim.
caso contrário, nem vale a pena começar.


se é para tentar, vai até ao
fim.
o que poderá significar perder namoradas,
mulheres, parentes, empregos e
quiçá o juízo.


vai até ao fim.
poderá significar não comer durante 3 ou 4 dias.
poderá significar enregelar num
banco de jardim.
poderá significar a prisão,
poderá significar a irrisão,
a troça,
o isolamento.
o isolamento é a prenda,
tudo o mais é um teste à tua
resistência, à
vontade que tens de chegar
lá.
e hás-de chegar lá
apesar da rejeição e das ínfimas probabilidades
e há-de ser melhor
do que tudo
o que possas imaginar.


se é para tentar,
vai até ao fim.
não existe sensação como
essa.
ficarás a sós com os deuses
e as noites inflamar-se-ão
de fogo.


vai, vai, vai.
vai.


até ao fim
até ao fim.


levarás a vida directamente
até ao riso perfeito, é
o único combate válido
que existe.




Charles Bukowski
(tradução de Vasco Gato)
O CERNE DA POESIA

O cerne da poesia
é a imagem de um rapaz
a fazer música e amor
com uma rapariga cujo interesse
pelo amor e pela música coincide
em ambos com um enorme desespero
os seus íntimos como uma guitarra
dedilhada sob o sol quente e seco
da esperança onde homens selvagens e brutais
vão rasgando a vida como uma página
de um livro muito
antigo
e amarelo


Harold Norse

(tradução de Vasco Gato)
Imitação da Água

De flanco sobre o lençol,
paisagem já tão marinha,
a uma onda deitada
na praia, te parecias.

Uma onda que parava
ou melhor, que se continha;
que contivesse um momento
seu rumor de folhas líquidas.

Uma onda que parava
naquela hora precisa
em que a pálpebra da onda
cai sobre a própria pupila.

Uma onda que parara
ao dobrar-se, interrompida,
que imóvel se interrompesse
no alto da sua crista

e se fizesse montanha
(por horizontal e fixa)
mas que ao se fazer montanha
continuasse água ainda.

Uma onda que guardasse
na praia, cama, finita,
a natureza sem fim
do mar em que participa,

e em sua imobilidade,
que precária se adivinha,
o dom de se derramar
que as águas faz femininas.

mais o clima de águas fundas,
a intimidade sombria
e certo abraçar completo
que dos líquidos copias.

João Cabral de Melo Neto, Poemas para Ler na Escola, Objectiva, 2009  (selecção de Regina Zilberman)
La errancia y la proximidad

Un abandono en suspenso.
Nadie es visible sobre la tierra.
Sólo la musica de la sangre
asegura residencia
en un lugar tan aberto.

Alejandra Pizarnik
 Henri Cartier-Bresson

Para a Sandra
lembra-te

Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos

Mário Cesariny, in Pena Capital, Assírio & Alvim, 1999
PARA RECITAR ANTES DE DORMIR

Eu queria cantar para dentro de alguém,
sentar-me junto de alguém e estar aí.
Eu queria embalar-te e cantar-te mansamente
e acompanhar-te ao despertares e ao amanheceres.
Queria ser o único na casa
a saber: a noite estava fria.
E queria escutar dentro e fora
de ti, do mundo, da floresta.
Os relógios chamam-se anunciando as horas
e vê-se o fundo do tempo.
E em baixo ainda passa um estranho
e acirra um cão desconhecido.
Depois regressa o silêncio. Os meus olhos,
muito abertos, pousaram em ti;
e prendem-te docemente e libertam-te
quando algo se move na escuridão.

Rainer Maria Rilke, in O Livro das Imagens, Relógio d'Água, 2005 (tradução de Maria João Costa Pereira)







                                                                           German Lorca






(...)
É possível que nada se saiba das raparigas que, no entanto, vivem? É possível que se diga "as mulheres", "as crianças", "os rapazes" e não se faça a mínima ideia (apesar de toda a cultura não se faça a mínima ideia) de que há muito que estas palavras não têm plural, mas apenas números singulares?
Sim, é possível.
(...)

Rainer Maria Rilke, As Anotações de Malte Laurids Brigge, Relógio d'Água, 2003, or.1910 (tradução de Maria Teresa Dias Furtado)

Fernando Taborda, "Interferência", 1950
II.

Bom é corromper o silêncio das palavras.
Como seja:

1. Uma rã me pedra. (A rã me corrompeu
para pedra. Retirou meus limites de ser humano
e me ampliou para coisa. A rã se tornou
o sujeito pessoal da frase e me largou no
chão a criar musgos para tapete de insetos
e de frades)

2.Um passarinho me árvore. (O passarinho me
transgrediu para árvore. Deixou-nos aos
ventos e às chuvas. Ele mesmo me bosteia
de dia e me desperta nas manhãs)

3. Os jardins se borboletam. (Significa que
os jardins se esvaziaram de suas sépalas
e de suas pétalas? Significa que os jardins
se abrem agora de um só buliço das
borboletas?)

4. Folham secas me outonam. (Folhas secas que
forram o chão das tardes me transmudaram
para outono? Eu sou meu outono.)

Gosto de viajar por palavras do que de trem.



Manoel de Barros, in Retrato do Artista Quando Coisa, Editora Record, 2009
                                                                              Fernando Lemos, "Bailarina", 1949
IDÍLIO NO CAFÉ

A mim pergunto se durante a vida inteira
estivemos aqui. Ponho, agora mesmo,
 a mão diante dos olhos - que latejo
de sangue em minhas pálpebras-e os pêlos
imensos confundem-se em silêncio,
com o olhar. Pesam as pestanas.
Não sei bem do que falo. Quem são,
rostos vagos a nadar como numa água pálida,
estes aqui sentados, viventes connosco?
A tarde empurra-nos para certos bares
ou entre homens cansados de pijama.

Vem. Vamos lá para fora. A noite. Há espaço
em cima, mais em cima, muito mais do que as luzes
que às rajadas iluminam os teus olhos dilatados.
Entre nós, também silêncio fica
silêncio
                e este beijo como um longo túnel.

Jaime Gil de Biedma, in Antologia Poética, Edições Cotovia, 2003 (tradução de José Bento)
CANTO NONO

Terá chovido durante cem dias e a água infiltrada
pelas raízes das ervas
chegou à biblioteca banhando as palavras santas
guardadas no convento.

Sajat-Novà o frade mais jovem
levou os livros todos por uma escada até ao telhado
e abriu-os aos sol para que o ar quente
enxugasse o papel molhado.

Um mês de boa estação passou
e o frade de joelhos no claustro
esperava dos livros um sinal de vida.
Uma manhã finalmente as páginas começaram
a ondular ligeiras no sopro do vento
parecia que tinha chegado um enxame aos telhados
e ele chorava porque os livros falavam.

Tonino Guerra, in O MEL, Assírio & Alvim, 2003 (tradução de Mário Rui de Oliveira)

Adelino Lyon de Castro
8.
Uma chuva é íntima
Se um homem a vê de uma parede umedecida de moscas;
Se aparecem besouros nas folhagens;
Se as lagartixas se fixam nos espelhos;
Se as cigarras se perdem de amor pelas árvores;
E o escuro se umedeça em nosso corpo.

Manoel de Barros, "Seis ou Treze Coisas que Aprendi Sozinho", in O Guardador de Águas, Editora Record, 2009
O AUSENTE
3. Acontece-me, por vezes, suportar bem a ausência. Estou então "normal": oriento a minha atitude pela de "toda a gente" que sofre a partida de uma "pessoa querida"; obedeço com habilidade ao treino que, desde muito cedo, me acostumou a estar separado da minha mãe - o que, no entanto, não deixou ao princípio de ser doloroso (para não dizer: de enlouquecer). Comporto-me como um sujeito bem desmamado: sei alimentar-me, enquanto espero, de outras coisas além do seio materno.
Essa ausência bem suportada não é senão o esquecimento. Sou, por intermitências, infiel. É a condição da minha sobrevivência; pois, se não esquecesse, morreria.
(...)

EU AMO-TE
4. Ao "eu amo-te", diferentes respostas mundanas: "eu não", "não acredito em nada disso", "porquê dizê-lo?", etc. Mas a verdadeira rejeição é: "não há resposta": sou mais seguramente anulado se sou rejeitado não apenas como suplicante mas ainda como sujeito falante (como tal, tenho pelo menos o domínio das fórmulas); é a minha linguagem, último refúgio da minha existência, que é negada, não o meu pedido; quanto ao meu pedido, posso reformulá-lo, representá-lo de novo; mas, impedido da faculdade de argumentar, estou como morto, para sempre.
(...)

Roland Barthes, Fragmentos de um Discurso Amoroso, Edições 70, 1995 (tradução de Isabel Pascoal)
No fundo, o que um prédio vazio ou mal projectado cria é um intervalo, uma cratera monumental na vida que fomos treinados a compreender, primeiro, como sucessiva, e, em seguida, como simultânea. Sim, porque nos acostumaram à idéia de que um fato sucede ao outro - nascemos, amamos, adoecemos, morremos. Aos poucos, no entanto, a idéia bem mais difícil  e monstruosa de simultaneidade vai tomando o lugar da outra, gravando em nós uma consciência aflita diante desse excesso de ser e vida, que massacra o que somos agora e o que seremos em seguida. Não é possível simular verdadeiramente em nossa mente algumas centenas de chineses lendo, neste momento, a Quinta Meditação ou quarenta e dois saltadores correndo a toda a velocidade com suas varas até o trapézio à frente. É muito provável que dezenas de pessoas estejam agora escrevendo a palavra provável. Quantos ataques epiléticos? Quantos cuspiram? A simultaneidade torna o presente infindável, como uma linha de produção fordista ou células cancerígenas reproduzindo-se alucinadamente. Ela é o verdadeiro castelo onde nunca vamos entrar, a ampulheta da areia de tudo pendurada num único instante, indiferente ao nosso amor por isto ou aquilo - e para nos defender é preciso beber cada gota do seu antídoto, amar cada grão, conhecer seu formato, prezar em cada ácaro um universo inteiro e se debruçar sobre a coberta humilde, sobre a marca de outro rosto no travesseiro, rasgar o pão no maior número possível de pedaços, utilizar enfim os dois recursos de que dispomos contra ela: a arma rigorosa, geométrica, da memória, com suas listas de chamada, e a arma súbita, poética, da epifania.

Nuno Ramos, Ó, Cotovia, 2010

Adelino Lyon de Castro