POEMAS DE AMOR, 13 

Primeiro está a solidão.
Nas entranhas e no centro da alma:
que é a essência, o dado básico, a única certeza:
que só a tua respiração te acompanha,
que sempre bailarás com a tua sombra,
que essa treva és tu.
Teu coração, esse fruto perplexo, não tem que azedar-se com a tua sina
                                                                                                               solitária;
Deixa-o esperar sem esperança 
de que o amor é uma dádiva que um dia chegará só por si.
Mas primeiro está a solidão, 
e tu estás só,
estás só com o teu pecado original - contigo próprio- .
Acaso uma noite, às nove, 
aparece o amor e tudo estoira, e algo se ilumina dentro de ti,
e tornas-te outro, menos amargo, mais feliz:
mas não te esqueças, especialmente então, 
quando o amor chega e te calcina,
que primeiro e sempre está a tua solidão,
e logo nada
e depois, se houver de chegar, está o amor. 

Darío Jamarillo Agudelo, in Um País que Sonha. Cem anos de poesia colombiana (1865-1965), Assírio & Alvim, 2012 (selecção de Lauren Mendinueta e tradução de Nuno Júdice)



Aklilu Temesgen Bizuayehu

Hasse, um rapaz alto, moreno, que era cinco anos mais velho do que eu, tinha o hábito de me atirar ao chão em todos os intervalos das aulas, durante o primeiro ano lectivo. No início, eu resistia ferozmente, mas não servia de nada, porque ele conseguia sempre deitar-me ao chão e ganhar. Por fim, descobri o método de o desiludir: descontração total. Quando ele se aproximava, eu fazia de conta que o Meu Eu tinha voado para outro sítio e deixado ali um cadáver, um trapo sem vida que ele podia deitar ao chão à vontade. Acabou por se fartar.
Penso no que este método, de uma pessoa se transformar num trapo sem vida, terá significado para mim ao longo da vida. A arte de ser pisado conservando a dignidade. Não terei recorrido a este método com demasiada frequência? Umas vezes resulta, outras não.

Thomas Transtromer, As Minhas Lembranças Observam-me, Sextante Editora, 2012 (tradução do sueco de Ana Diniz)









     Fotografia de José Manuel Ribeiro/Reuteurs, encontrada aqui
     Lisboa, 15 de Setembro de 2012
"Para mim, ficará sempre como um mistério, que talvez um dia a história explique, que tantos países devastados por uma crise económica desencadeada pelas teorias liberais da administração Bush tenham depois recorrido aos autores morais do crime para apagar o incêndio que eles próprios tinham ateado. Mas tenho como indiscutível que só chegámos aqui porque a esquerda, a esquerda europeia, não foi capaz de se livrar de dogmas paralisadores e entender como o mundo estava a mudar e a própria noção de justiça social tinha de mudar com ele. Portugal é um bom exemplo de como toda a esquerda, desde as múmias leninistas aos socialistas deslumbrados com o dinheiro fácil, passando pelo BA (esquerda Bairro Alto) passaram décadas a venerar como boi sagrado uma legislação e doutrina laboral que tornava impossível despedir o pior dos trabalhadores, assim protegendo os mediocres, os calões e os batoteiros das falsas baixas, nivelados com os que queriam trabalhar e nunca conseguiram sair da cepa torta. Os baixos salários, uma das características endémicas da nossa economia, não foram apenas impostos por patrões sem escrúpulos, mas também por um sindicalismo que sempre quis nivelar todos por igual, acabando a nivelar todos por baixo. Sem um estremecimento de apreensão, a nossa esquerda sentou-se confortavelmente em cima dos "direitos adquiridos", recusando-se a entender que não podia ser adquirido o que não era financeiramente sustentável- nas reformas, na saude publica, na imensa panóplia de actividades subsidiadas. A cegueira e a má fe da esquerda prepararam o caminho para a ruína dos países e para a vingança histórica da direita económica a que agora assistimos."

Miguel Sousa Tavares, "Tem de Haver Alternativa", Expresso, 8 de Setembro 2012


DEFENSA DE LA ALEGRIA

                                     a trini




Defender la alegria como una trinchera
defenderla del escandalo y la rutina
de la miseria y los miserables
de las ausencias transitorias
y las definitivas

defender la alegria como un principio
defenderla del pasmo y las pesadillas
de los neutrales y de los neutrones
de las dulces infamias
y los graves diagnosticos

defender la alegria como unna bandera
defenderla del rayo y la melancolia
de los ingenuos y de los canallas
de la retorica y los paros cardíacos
de las endemias y las academias

defender la alegria como un destino
defenderla del fuego y de los bomberos
de los suicidas y los homicidas
de las vacaciones y del agobio
de la obligacion de estar alegres

defender la alegria como una certeza
defenderla del óxido y la roña
de la famosa pátina del tiempo
del relente y del oportunismo
de los proxenetas de la risa

defender la alegria como un derecho
defenderla de dios y del invierno
de las mayúsculas y de la muerte
de los apellidos y las lastimas
del azar

              y también de la alegria

Mario Benedetti, in Cotidianas,Visor Libros, 2001
*mais sério do que parece
FUTURO IMPERFECTO
                                     
                                     El porvenir es un niño desnudo
                                     Raúl Gonzalez Túñon

De poco sirve arroparlo
y menos
colgarle collares y prognósticos
brindarle metrallas de manga larga
calzarle prejuicios de siete leguas

de poquíssimo sirve ponerle
profaces o antifaces
o un delantal de músicamenos aún la consabida
bufanda del viento

el futuro es un niño desnudo
y en consequencia ufano imprevisible
cuando menos lo esperas
te coloca una rosa en la oreja
o te orina inocente en la calva

Maria Benedetti, in Cotidianas, Visor Libros, 2001