"Para mim, ficará sempre como um mistério, que talvez um dia a história explique, que tantos países devastados por uma crise económica desencadeada pelas teorias liberais da administração Bush tenham depois recorrido aos autores morais do crime para apagar o incêndio que eles próprios tinham ateado. Mas tenho como indiscutível que só chegámos aqui porque a esquerda, a esquerda europeia, não foi capaz de se livrar de dogmas paralisadores e entender como o mundo estava a mudar e a própria noção de justiça social tinha de mudar com ele. Portugal é um bom exemplo de como toda a esquerda, desde as múmias leninistas aos socialistas deslumbrados com o dinheiro fácil, passando pelo BA (esquerda Bairro Alto) passaram décadas a venerar como boi sagrado uma legislação e doutrina laboral que tornava impossível despedir o pior dos trabalhadores, assim protegendo os mediocres, os calões e os batoteiros das falsas baixas, nivelados com os que queriam trabalhar e nunca conseguiram sair da cepa torta. Os baixos salários, uma das características endémicas da nossa economia, não foram apenas impostos por patrões sem escrúpulos, mas também por um sindicalismo que sempre quis nivelar todos por igual, acabando a nivelar todos por baixo. Sem um estremecimento de apreensão, a nossa esquerda sentou-se confortavelmente em cima dos "direitos adquiridos", recusando-se a entender que não podia ser adquirido o que não era financeiramente sustentável- nas reformas, na saude publica, na imensa panóplia de actividades subsidiadas. A cegueira e a má fe da esquerda prepararam o caminho para a ruína dos países e para a vingança histórica da direita económica a que agora assistimos."

Miguel Sousa Tavares, "Tem de Haver Alternativa", Expresso, 8 de Setembro 2012

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