Dois estudos

1.
Tu és a antecipação
do último filme que assistirei.
Fazes calar os astros,
os rádios e as multidões na praça pública.
Eu te assisto, imóvel e indiferente.
A cada momento, tu te voltas
e lanças no meu encalço
máquinas monstruosas que envenenam reservatórios
sobre os quais ganhaste um domínio de morte.
Trazes encerradas entre os dedos
reservas formidáveis de dinamite
e de fatos diversos.

2.
Tu não representas as 24 horas de um dia,
os fatos diversos,
o livro e o jornal
que leio neste momento.
Tu os completas e os transcendes.
Tu és completamente revolucionária e criminosa,
porque sob teu manto
e sob os pássaros de teu chapéu
desconheço a minha rua,
o meu amigo e o meu cavalo de sela.

João Cabral de Melo Neto, Poemas para Ler na Escola, Objectiva, 2009 (selecção de Regina Zilberman)

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