O AUSENTE
3. Acontece-me, por vezes, suportar bem a ausência. Estou então "normal": oriento a minha atitude pela de "toda a gente" que sofre a partida de uma "pessoa querida"; obedeço com habilidade ao treino que, desde muito cedo, me acostumou a estar separado da minha mãe - o que, no entanto, não deixou ao princípio de ser doloroso (para não dizer: de enlouquecer). Comporto-me como um sujeito bem desmamado: sei alimentar-me, enquanto espero, de outras coisas além do seio materno.
Essa ausência bem suportada não é senão o esquecimento. Sou, por intermitências, infiel. É a condição da minha sobrevivência; pois, se não esquecesse, morreria.
(...)

EU AMO-TE
4. Ao "eu amo-te", diferentes respostas mundanas: "eu não", "não acredito em nada disso", "porquê dizê-lo?", etc. Mas a verdadeira rejeição é: "não há resposta": sou mais seguramente anulado se sou rejeitado não apenas como suplicante mas ainda como sujeito falante (como tal, tenho pelo menos o domínio das fórmulas); é a minha linguagem, último refúgio da minha existência, que é negada, não o meu pedido; quanto ao meu pedido, posso reformulá-lo, representá-lo de novo; mas, impedido da faculdade de argumentar, estou como morto, para sempre.
(...)

Roland Barthes, Fragmentos de um Discurso Amoroso, Edições 70, 1995 (tradução de Isabel Pascoal)

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