10-Das mulheres
As mulheres (digo: algumas) (digo: algumas mulheres, poucas) (digo: algumas mulheres, poucas, e nenhum homem) acalmam-me, tiram-me das minhas circunstâncias. Com o corpo - sexo, pele, boca, mãos -, com a voz, apenas com a presença. Às mulheres tudo me parece possível. Talvez por isso as trate com maior exigência. Quando o não fazem, é porque não querem ou porque os homens são umas bestas. Os homens, prosaicamente, não fazem o que não podem, brutos coitados. Às mulheres pode-se e deve-se (e devem-se) exigir o poema permanente. E criar as condições para que não se tenham de preocupar com nada para além disso. Só isso permite aos machos (alguns, poucos) fugazes fogachos de poesia. Só isso evitará o quase inevitável: que neste mundo haja mais pedreiras do que prados, mais escarevelhos sobrevivendo à fuligem do que cachorros panando-se na areia. Tirésias, que voltou a ser homem depois de ter sido mulher, ensinou-nos que as mulheres sentem dez vezes mais prazer do que os homens. É por isso, estou certo, que se preocupam menos com o que não interessa. E foi também por isso que com elas aprendi o pouco que sei acerca de prioridades: 1ª o prazer 2ª o prazer, 3ª o prazer, e por aí fora. Se assim for, não nos preocupemos com o Céu -tê-lo-emos alcançado aqui em baixo e Deus e os anjos virão ter connosco.
Miguel Martins, in Lérias, Averno, 2011
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