Lenz via-se um observador do mundo e daí vinha parte da sua grande força: ainda não tinha sido chamado para o centro; a existência era qualquer coisa que ele podia ver - tanto a sua como a dos outros; espectador cuja única preocupação é a alimentação, o sono e a qualidade do espectáculo. Lenz não conseguia esconder que se considerava a única instância decisiva da sua vida. Todos os outros elementos eram secundários naquilo que ele considerava essencial nesse problema - o único problema importante- que era o facto de estar vivo. Uma certa adoração desproporcionada que sempre descolocara para o seu pai tinha, no fundo, por base essa adoração pela auto-suficiência,e os pais-aqueles que lhe haviam dado a possibilidad de ter o problema de estar vivo para resolver - eram os únicos de quem nunca poderia dizer: nada fizeram por mim - porque eles, na verdade, o tinham feito, da cabeça aos pés: uma casa humana.

Gonçalo M.Tavares, Aprender a Rezar na Era da Técnica, Editorial Caminho, 2007

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