26.
Meu pai sempre dizia que o sofrimento melhora o homem, desenvolvendo o seu espírito e aprimorando a sua sensibilidade; ele dava a entender que quanto maior fosse a dor tanto ainda o sofrimento cumpria sua função mais nobre; ele parecia acreditar que a resistência de um homem era inesgotável. Do meu lado, aprendi bem cedo que é difícil determinar onde acaba a nossa resistência, e também muito cedo aprendi a ver nela o traço mais forte do homem; mas eu achava que se da corda de um alaúde - esticada até ao limite- se podia tirar uma nota afinadíssma (supondo-se que não fosse mais que um arranhado melancólico e estridente), ninguém contudo conseguiria extrair nota alguma se a mesma fosse destendida até o rompimento. Era isso pelo menos que eu pensava, até à noite do meu retorno, sem jamais ter suspeitado antes que se pudesse, de uma corda partida, arrancar ainda uma nota diferente (o que só vinha confirmar a possível crença de meu pai de que um homem, mesmo quebrado, não perdeu ainda a sua resistência, embora nada provasse que continuava ganhando em sensibilidade).


Raduan Nassar, Lavoura Arcaica, Relógio d'Agua, 1999 (or.1975)

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