poema
Reconheço este quarto impermeável
reconheço-te estás adormecido
o peito muito aberto as mãos luminosas
o grande talento dos teus dentes miúdos
Há o perigo de um grito lindíssimo
quando andas assim comigo no invisível
Quando a manhã vier sairás comigo
para o espaço que nos falta para o amor
que nos falta
A aurora está fatigada
a aurora
como um rio nosso
em torno dos elevadores
Tinha eu a idade
de um marselhês
silencioso
e tímido
Tu davas-me a lousa dos magos
o teu riso as letras
mais obscuras do alfabeto
Foi há muito tempo
ou agora
na caverna dos leões expressivos
A caverna que dá para a caverna
a caverna os lagos diligentes
Belo tu és belo
como um grande espaço cirúrgico
Porque tu não tens nome existes
A minha boca
sobe à tua boca
A minha boca
perdeu a memória
não pode falar as palavras entram no seu túnel
e não é preciso segui-las
Disse que és alto
alto
branco e despovoado
Mário Cesariny, in Pena Capital, Assírio & Alvim, 1999
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