O imperdoável é um sujeito subtil. Move-se magro entre a gente. Não se diz, não se expressa, não se sente. Criminoso discreto, é sobretudo um assassino. Lento, pouco espectacular. Morte é isto. Além de terrores nocturnos e suores inalcançáveis. Morte é usar a linguagem para coisa nenhuma. Morte é o corpo, sem sentido, hirto por mero acaso da evolução. Morte é isto, mar e rio serem tanto a mesma coisa. Só há margens, separadas, separadas, separadas. Morte é esta bomba, a acontecer em público, tão tranquila. Morte é dinamite que quase não explode. Morte é isto, esta distância entre aqui e lá, um curto-circuito menor em beleza do que as trovoadas. Morte é o hiato absurdo entre um ser e a sua memória. Dizem que ela nos conta. Nada conta quando tudo é morte. Morte é isto, esta fronteira que se perde de vista, que não tem vista. Morte é os olhos não serem nada, não verem nada, não se olharem sequer. Morte é isto, um nome existir só em letras lapidares. Morte é uma dama gelada toda genitália. A fertilidade estilhaçada contra um vidro. Morte é isto, ser o vidro e a fertilidade e a mulher ausente e a ferida do vidro. Morte é chegar a casa naturalmente, como se o exterior e o interior não se distinguissem. Não ter dono nem querer tê-lo. Morte é sem perdão. Terrores nocturnos e suores inalcançáveis. Ou então isto.

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