Apresento-me. Com um nome e um corpo. E basta. Assim começaram as minhas histórias de amor e tudo o resto que quase não importa: empregos, declarações fiscais, aulas de dança, encontros de grupo e provas orais. Estou normalmente de pé. É um equilíbrio sombrio. Sombrio, quero dizer, obscuro. Nada do que define um nome e um corpo é visível: genética casual, memória teimosa, circuitos eléctricos que ligam cabeça e coração. É isto que se move, é isto que tem fome, é isto que tem sede. É isto que chora, é isto que ri. É isto que fica nas camas onde se é qualquer coisa a mais do que isto. Não propriamente o nome ou o corpo, nas suas superfícies lisas a que se chega com a mão. Mas mãos e olhos são o que temos para nos tocarmos. E meu deus, como te enganaste no tamanho dos olhos, pois é tanta a cidade por fora, tanta a gente por dentro. Não vos oiço, multidão íntima. A memória é-me apenas fotografia, revelação sarcástica do que já não existe. Vejo-vos sempre, com as pestanas do avesso. Passeio-nos pela rua, diariamente, com a ideia de que esse olhar impossível é tudo o que me resta de vós. Quanto à genética, combinação hiper tecnológica, bolas com números girando em espiral nas cópulas que geraram corpos e nomes, trago-a também comigo, secreta e avessa ao toque. Definiu o que entendeu, senhora autocrática e indiferente, e sentou-se nos meus gestos. Passeia-se pelos meus mortos quando ainda vivem e ri-se de mim. Sombra que me precede, espécie de continuidade em marcha atrás, impossível de agarrar. Acordo com ela para um mundo que se sabe imenso, que me espera trocista aos pés da cama, menino reguila que se mostra e desata a correr. Os olhos abrem-se para um dia onde repousa o telejornal da véspera, e seguem cegos e impotentes por microcosmos sem importância. Um contador de crueldades roda ao meu lado, em ritmo ascendente. É mecânico, faz barulho, mas dele não há memória, quero dizer, imagem. Descanso para os olhos, inquietude sonora que me torna impune mas não inconsciente. De repente choro, mas não posso eleger-te, nome, acima de todas as coisas. Porque este é o tempo da consciência e os desgostos de amor são quase banais. Há fotografias, há multidões, há uns olhos demasiado pequenos e um par de mãos inútil. Um corpo e um nome que apresento, simples evidências da nossa limitação.
Gosto muito. E não é pouco!
ResponderEliminarBjo, amiga.
os meus olhos estão pesados da visão. muitas vezes o que sabe melhor é fechá-los e escrever tão bem o que escreveste, com o tacto da palavra.
ResponderEliminarde olhos fechados li o teu texto :)
(abri-os apenas para comentar)
Josephine