LITERATURA EXPLICATIVA

O pôr-do-sol em espinho não é o pôr-do-sol
nem mesmo o pôr-do-sol é bem o pôr-do-sol
É não morrermos mais, é irmos de mãos dadas
com alguém ou com nós mesmos anos antes
é lermos leibniz conviver com os medicis
onze quilómetros ao sul de florença
sobre restos de inquietação visível em bilhetes de elétrico
Há quanto tempo se põe o sol em espinho?
Terão visto este sol os liberais no mar
ou antero de junto da ermida?
O sol que aqui se põe onde nasce? A quem
passamos este sol? Quem se levanta onde nos deitamos?
O pôr-do-sol em espinho é termos sido felizes
é sentir como nosso o braço esquerdo
Ou melhor: é não haver mais nada mais ninguém
mulheres recortadas nas vidraças
oliveiras à chuva, homens a trabalhar
coisas todas as coisas deixadas a si mesmas
Não mais restos de vozes solidão dos vidros
não mais os homens coisas que pensam coisas sozinhas
não mais o pôr-do-sol apenas pôr-do sol.

Ruy Belo, in Todos os Poemas, "Palavra(s) de Lugar", Assírio & Alvim, 2000

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