Grande número

Quatro biliões de pessoas nesta Terra
e a minha imaginação é como era.
Não lida bem com grandes números.
Continua a comover-se com o singular.
Voando na escuridão como a luz da lanterna,
ilumina apenas umas quantas caras,
votando as restantes às trevas,
à deslembrança, ao desconsolo.
Mas isto nem o próprio Dante captaria.
Muito menos quem o não é.
Nem mesmo com todas as musas.

Non omnis moriar- a aflição prematura.
Contudo, será que vivo por inteiro e será isto suficiente?
Nunca foi e muito menos agora.
Selecciono excluindo, só pode ser assim,
porém o excluído é cada vez mais numeroso,
mais compacto, mais agressivo.
À custa de inconcebíveis perdas - um poemeto, um suspiro.
Ao apelo gritante respondo com um sussurro.
O que calo, nunca vou exprimir.
O rato no sopé da montanha materna.
O tempo de vida - três marcas de unha na areia.

Nem os meus sonhos estão devidamente povoados.
Há neles mais solidão do que multidão e barulho.
Às vezes aparece alguém há muito falecido.
Uma única mão na maçaneta.
A casa vazia amplia-se em anexos de eco.
Corro da soleira da porta até ao vale
silencioso, como se não fosse ninguém, já anacrónico.

Como ainda há em mim este espaço,
não sei.

(1976)

Wislawa Szymborska, in Alguns Gostam de Poesia, Cavalo de Ferro, 2004  (tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves)

1 comentário:

  1. "A casa amplia-se em anexos de eco.
    (...)
    Como ainda há em mim este espaço,
    não sei."

    Josephine

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