Não contes os anos. Conta antes as conchas partidas que levaste da praia. Todos os teus gestos sem sentido. Conta os beijos que te deram e exclui os que não foram música. Conta as canções que não ouviste, porque tas cantaram quando dormias. Os dias que viveste como se estivesses embalado num berço. Conta os pés frios que te acordaram na cama antes de o pesadelo começar. Os bichos que não te pediram nada. As festas inesperadas, sem adereços. Conta os amigos e lembra-te dos nomes. Conta os nomes que começam com letras quentes. Conta os lugares que não precisaste de fotografar. As vezes que te esqueceste das chaves de casa. Conta as portas em que não pudeste entrar mas esperaste. Conta as pestanas das mulheres que amaste e divide por dois.  Todas as ocasiões em que dividiste sem hesitar. Conta os espelhos que te fizeram mal e os olhos que foram rigorosos contigo. Conta os segredos que contaste. As coisas inúteis que salvarias de incêndios. Conta o fogo que foste, às vezes, labareda a labareda. Conta a água que te ofereceram. Conta os dias de sede feliz. Conta as luzes apagadas, mas sobretudo, conta as que se acenderam. Conta a mãe, o pai e multiplica-os. Conta as horas de silêncio e as palavras em que pensaste. Conta as sombras que romperam o escuro. As rixas em que matarias pelos teus irmãos.  Conta os teus irmãos. Não contes os anos. Parabéns, outra vez.

1 comentário:

  1. Não contes tu, também, os anos e dias. A vida é como uma fita de cetim que se desentrola . brilha mais quando a luz do sol avança e se inclina.
    MC

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