Dizem que chorei três semanas em pé, hábito que perdi, felizmente. Não voltei a chorar na vertical. Chamei pelo pai e pela mãe - estou segura de que a sensibilidade nunca me deu para diminutivos e aos quatro anos não bebia cafezinhos. Chorava para resistir. Tinha comigo poucas palavras e demasiada ternura para que o talento da agressividade fosse possível, talento aliás que ainda hoje domino mal. Domino mal o domínio. Questão antiga, do jardim de infância (quase todas as questões antigas são infantis). Não sei por que lhe chamam jardim. O meu tinha salas que esperam. Cabides colectivamente disformes. Um aquecedor a gás. Incêndios. Imaginação. Via labaredas a comerem os casacos, e os casacos já tinham comido o meu nome, e o meu nome só chorava. Ali cresceram crianças, comparáveis a flores formosas, e deve ser por isso que lhe chamam jardim. Quanto a mim, não fui flor e jamais desenvolvi amor à botânica. Resisti quanto pude. Fiz finca-pé com os dias. Com as listas e os desenhos na parede. Com as cadeiras uma ao lado da outra. Com as batas bordadas, de um azul operário. Com os apelidos. Com os lugares que eram apelidos. Com a plasticina. Com a idade. Para trás e para a frente. Gostava dos baloiços. Mas vi logo que apenas dão esperança. Para o movimento mais largo, é preciso continuar a resistir. Ou a chorar.

Sem comentários:

Enviar um comentário