XXXIV. INQUIRIÇÃO

Pergunto porque escrevo
versos, que crueldade
ou insânia comigo tenho
e lego, envergonhado
por má, despudorada acção.

Pergunto porque revolvo
o erro inicial, o dia, a noite,
porque cresci e enruguei
foi velho em jovem
e velho por jovem me trocava.

Pergunto porque escrevo
com um chicote versos, tão frágeis
e humildes, escravizados,
e instilo numa só gota
a criação da chuva e a morte das sementes.

Pergunto porque planto
árvores com desafio e angústia
e a atormenta a perfídia,
a devoração de si e outrem,
a alma frustrada dos animais.

Pergunto porque não perdoo,
nem admito nem tolero
o que não sei e, pior, aterra
e não deixo, a Deus e a mim, em paz
na unidade calcária de todas as palavras.

António Osório, in Luz Fraterna- Poesia Reunida (1965-2009), Assírio e Alvim, 2009

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