Um cão, de raça do frio, vive junto a um armazém, preso a uma corrente, relativamente longa em relação à parede, muitíssimo curta em relação à natureza do bicho. É um animal tímido, embora o porte sugira o contrário. Como alguns tímidos de outras espécies, usa uma estratégia simples para evitar problemas: quando alguém novo se aproxima, faz-se barulhento. Demove a maior parte das abordagens e inspira até um certo medo. Os mais perserverantes rapidamente são premiados com uma manifestação mais franca da timidez estrutural: jamais responde a um chamado, recolhe-se alguns passos à passagem de quem quer que seja, mas aceita cordialmente umas festas.
Parece que este cão, que vejo diariamente, tem um passado mais feliz. Já viveu numa casa sem correntes de metal e passeava nos jardins públicos, como qualquer outro animal de estimação. E haveria tanto a dizer sobre a palavra "estimação" e a vulgaridade das trelas e das normas inter-espécies. Mas deixemo-nos disso. Voltemos ao passado, objectivamente mais feliz para ele. Num desses jardins públicos, costumava encontrar-se com uma cadela. Essa graciosa fêmea continua a viver nas redondezas e quando aqui passa, em passeio com a sua dona, vem cumprimentá-lo. É um momento de simples comunicação canina e é entusiasta. Se o entusiasmo alguma vez os levou a considerar namoro? Esclarece a dona: "Ela é operada, por isso não deixa. Quando algum macho se aproxima dela para isso, ela ladra. Ladra uma, ladra duas. Se eles insistem, ela vai e senta-se. Deste ela é muito amiga."
Não tenho nada a acrescentar.
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