BURNT NORTON
I.

O tempo presente e o tempo passado
Estão ambos talvez presentes no tempo futuro
E o tempo futuro contido no tempo passado.
Se todo o tempo é eternamente presente
Todo o tempo é irredimível.
O que poderia ter sido é uma abstração
Que fica uma possibilidade perpétua
Somente num mundo de especulação.
O que poderia ter sido e o que foi
Apontam para um só fim, sempre presente.
Sons de passos ecoam na memória,
Descem o caminho que nós não seguimos
Em direcção à porta por nós nunca aberta
Para o jardim de rosas. As minhas palavras ecoam
Assim no teu espírito.
                                          Mas com que propósito
Perturbam o pó numa taça de folhas de rosa
Não sei.
                               Outros ecos
Habitam o jardim. Vamos seguir?
Depressa, disse o pássaro, procurai-os, procurai-os
Ao voltar da esquina. pelo primeiro portão,
Para dentro do nosso primeiro mundo, vamos seguir
O ludíbrio do tordo? Para dentro do nosso primeiro mundo
Ali estavam, graves, invisíveis,
Moviam-se sem pressa, sobre as folhas mortas,
No calor do Outono, pelo ar vibrante,
E o pássaro chamou, em resposta
À inaudível música oculta nos arbustos
E o invisível relance perspassou, pois as rosas
Tinham o ar de flores que são olhadas.
Ali estavam como convidadas nossas, acolhidas e acolhedoras.
Assim nós e elas avançámos, num padrão formal,
Pela alameda vazia, até ao círculo de buxo,
Para olhar para dentro do lado esvaziado.
O lago seco, o cimento seco, de bordos castanhos,
E o lago encheu-se com água feita da luz do Sol,
e o lótus subiu, devagar, devagar,
A superfície cintilou do coração da luz,
E ficaram por detrás de nós, reflexos no lago.
Passou então uma nuvem, e o lago ficou vazio.
ide, disse o pássaro, pois as folhas estavam cheias de crianças,
Em excitaçãoe scondidas, a refrear o riso.
Ide, ide, ide, disse o pássaro: a espécie humana
Não pode suportar muita realidade.
O tempo passado e o tempo futuro
O que poderia ter sido e o que foi
Apontam para um só fim, sempre presente.

T.S.Eliot, in Quatro Quartetos, Relógio d'Água, 2004, or. 1944 (tradução de Gualter Cunha)

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