O POETA

Vão dizer que não existo propriamente dito.
Que sou um ente de sílabas.
Vão dizer que eu tenho vocação para ninguém.
Meu pai costumava me alertar:
Quem acha bonito e pode passar o resto da vida a ouvir o som
das palavras
Ou é ninguém ou zoró.
Eu teria treze anos.
De tarde fui olhar a cordilheira dos Andes que
se perdia nos longes da Bolívia
E veio uma iluminura em mim.
Foi a primeira iluminura.
Daí botei meu primeiro verso:
Aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem.
Mostrei a obra pra minha mãe.
A mãe falou:
Agora você vai ter de assumir as suas
irresponsabilidades.
Eu assumi: entrei no mundo das imagens.

Manoel de Barros, in Ensaios Fotográficos, Record, 2007

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