O esforço para conservar a minha língua materna num ambiente que me impunha uma outra língua foi vão. De semana para semana, aquela ia-se tornando cada vez mais pobre e no fim do primeiro ano já só restavam dela algumas brasas. Aquela dor não era unívoca. A minha mãe fora assassinada no princípio da guerra e eu conservei a imagem do seu rosto dentro de mim durante aqueles anos todos na esperança de vir a encontrá-la no fim da guerra e de a nossa vida voltar a ser o que era antes. A língua e o rosto da minha mãe eram um só. Agora, com a extinção da língua dentro de mim, era como se a minha mãe tivesse morrido uma segunda vez. Era uma dor que me possuía como uma droga, não apenas quando estava acordado, mas quando dormia também. Durante o sono, andava numa fila de refugiados, todos gagos, e só os animais, cavalos, vacas e cães, dos dois lados da estrada, falavam numa língua diferente, como se a ordem das criaturas se tivesse invertido.

Aharon Applefel, Fragmentos de Uma Vida, Civilização Editora, 2005 (tradução do hebraico de Lúcia Liba Mucznick)

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